Enquanto pensava na vida, ela olhava a madeira verde estalando no fogo que ardia e as chamas tremeluzindo nas dobras do tempo. Quando o menino nasceu já era quase dia, o sol espiava no topo da serra e os pássaros cutucavam a manhã que ainda dormia. Os moradores da redondeza retiravam-se enfileirados, levando nos ombros a friagem da chuva que lava dezembro e nos olhos o peso da noite interrompida. Da cozinha vinha o cheiro forte do café coado as pressas, para repor as forças esparramadas com os gemidos da mulher que paria.
Mais um que ela havia trazido ao mundo. Não estava feliz nem triste, trazer criança ao mundo era o seu oficio, obedecia sempre o relógio da vida e já havia perdido a conta de quantas crianças ajudou a nascer.
Alguém veio lembrar-lhe que era noite de natal, ela atiça a lenha no fogo e acende na mente um turbilhão de profecia. É sempre assim, aprendeu muito antes que a fome lhe doesse nas entranhas, que a vida é um ato continuo de espera, que cada um de nós somos feitos de pequenas e grandes gestações e não há nenhum calendário que possa mudar ou definir as estações da alma. Só é feliz quem a todo instante sabe fazer barganha com a vida, dando em troca o que a própria vida lhe oferece.
Pensando assim, ela não espera por uma data especifica, faz e refaz suas ceias com sobras de ontem e sementes de amanhãs, abre caminhos pelas veredas misteriosas e renasce a cada choro que grita com a luz, se perde nos gemidos e nas dores alheias e acredita no Menino que veio pra salvar a humanidade e nos meninos que ela salva por instinto e necessidade.
Perpétua Amorim
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